Por que as mulheres não estão loucas
Você é tão sensível. Tão emocional.
Tão defensiva. Você está exagerando. Calma. Relaxe. Pare de surtar! Você é
louca! Eu estava só brincando, você não tem senso de humor? Você é tão
dramática. Deixa pra lá de uma vez!
Soa familiar?
Se você é uma mulher, provavelmente
sim.
Você alguma vez escuta esse tipo de
comentário de seu marido, parceiro, chefe, amigos, colegas ou parentes após
expressar frustração, tristeza ou raiva sobre algo que eles disseram ou
fizeram?
Quando alguém diz essas coisas a
você, não é um exemplo de comportamento sem consideração. Quando seu marido
aparece meia hora atrasado para o jantar sem avisar – isso é desconsideração.
Uma observação com o propósito de calar você – como, "Relaxa, está
exagerando" – logo após você apontar o comportamento ruim de alguém é
manipulação emocional, pura e simples.
E é esse o tipo de manipulação
emocional que alimenta uma epidemia em nosso país, uma epidemia que define as
mulheres como loucas, irracionais, exageradamente sensíveis e confusas. Essa
epidemia ajuda a alimentar a ideia de que as menores provocações fazem com que
as mulheres libertem suas (loucas) emoções. Isso é falso e injusto. Acho que é
hora de separar o comportamento sem consideração de manipulação emocional e
começarmos a usar uma palavra fora de nosso vocabulário usual.
Quero introduzir um útil temo para
identificar essas reações: "gaslaitear".
(pequeno adendo do editor:
"gaslaitear" foi uma adaptação do termo gaslighting para o
português, para facilitar a compreensão do texto)
Gaslaitear é um termo usado com
frequência por profissionais da área de saúde mental (não sou um deles) para
descrever comportamento manipulador usado para induzir pessoas a pensarem que
suas reações são tão insanas que só podem estar malucas.
O termo vem do filme de 1944 da MGM,
"Gaslight", estrelando Ingrid Bergman. O
marido de Bergman no filme, interpretado por Charles Boyer, quer tomar sua
fortuna. Ele se dá conta de que pode conseguir isso fazendo com que ela seja
considerada insana e enviada para uma instituição mental. Para tanto, ele
intencionalmente prepara as lâmpadas de gás (no inglês, "gaslights",
vindo daí o nome do filme) de sua casa para ligarem e desligarem
alternadamente.
E toda vez que Ingrid reage a isso,
ele diz a ela que está vendo coisas.
Trailer do clássico filme que deu
origem ao termo
Nesse contexto, uma pessoa
gaslaiteadora é alguém que apresenta informação falsa para alterar a percepção
da vítima sobre si mesma.
Hoje, quando o termo é usado,
usualmente significa que o perpetrador usou expressões como, "Você é tão
estúpida" ou "Ninguém jamais vai te querer" para a vítima.
Essa é uma forma intencional e
premeditada de gaslaitear, como as ações do personagem de Charles Boyer no
filme Gaslight, no qual ele estrategicamente age para fazer com que sua esposa
acredite estar confusa.
A forma de gaslaitear que estou
apontando nem sempre é premeditada ou intencional, o que a torna pior, pois
significa que todos nós, especialmente as mulheres, já tiveram que lidar com
isso em algum momento.
Aqueles que gaslaiteaim criam reações
– seja raiva, frustração, tristeza – na pessoa com quem estão interagindo.
Então, quando essa pessoa reage, o gaslaiteador a faz sentir desconfortável e
insegura por agir como se seus sentimentos fossem irracionais ou anormais.
* * *
Minha amiga Anna (todos os nomes
trocados por questão de privacidade, claro) é casada com um homem que sente a
necessidade de fazer observações não solicitadas e aleatórias sobre seu peso.
Sempre que ela fica brava ou
frustrada com seus comentários insensíveis, ele responde da mesma maneira
defensiva, "Você é tão sensível, estou só brincando".
Minha amiga Abbie trabalha para um
homem que, quase todos os dias, acha um jeito de criticá-la, assim como a
qualidade de seu trabalho. Observações como "Você não consegue fazer algo
direito?" ou "Por que fui te contratar?" são comuns para ela.
Seu chefe não tem dificuldade em demitir pessoas (o que faz regularmente),
então seria difícil pensar, baseado nesses comentários, que Abbie trabalha pra
ele há seis anos.
Mas toda vez que ela se posiciona e
diz "Não me ajuda em nada quando você diz essas coisas", ela recebe a
mesma resposta:
"Relaxa, você está
exagerando."
É muito mais fácil manipular
emocionalmente alguém que foi condicionado por nossa sociedade para tal. Nós
continuamos a impor isso sobre as mulheres pelo simples fato de que elas não
recusam nossos fardos. É a covardice suprema.
Abbie pensa que seu chefe está apenas
sendo um babaca nesses momentos, mas a verdade é que ele está fazendo esses
comentários para induzí-la a achar que suas reações não fazem sentido. E é
exatamente esse tipo de manipulação que a faz sentir culpada por ser sensível
e, como resultado, se recusar a deixar seu emprego.
Mas gaslaitear pode ser tão simples
quanto alguém sorrindo e dizendo, "Você é tão sensível", para outra
pessoa. Tal comentário pode soar inócuo, mas naquele contexto a pessoa está
emitindo um julgamento sobre como a outra deveria se sentir.
Mesmo que lidar com gaslaitear não
seja uma verdade universal para todas as mulheres, nós certamente conhecemos
muitas delas que enfrentam isso no trabalho, em casa ou em seus
relacionamentos.
E o ato de gaslaitear não afeta só
mulheres inseguras. Até mesmo mulheres assertivas e confiantes estão
vulneráveis. Por que?
Porque as mulheres suportam o peso da
nossa neurose. É muito mais fácil para nós colocar nossos fardos emocionais nos
ombros de nossas esposas, amigas, namoradas e empregadas, do que é impô-los nos
ombros dos homens.
Quer gaslaitear seja consciente ou
não, produz o mesmo resultado: torna algumas mulheres emocionalmente mudas.
Essas mulheres não conseguem
expressar com clareza para seus esposos que o que é dito ou feito a elas as
machuca. Elas não conseguem dizer a seus chefes que esse comportamento é
desrespeitoso e as impede de trabalhar melhor. Elas não conseguem dizer a seus
parentes que, quando eles são críticos, estão fazendo mais mal do que bem.
Quando essas mulheres recebem
qualquer tipo de reprimenda por suas reações, tendem a deixar passar, pensando,
"Esqueça, tá tudo bem."
Esse "esqueça" não
significa apenas deixar um pensamento de lado, é ignorar a si mesma. Me parte o
coração.
Não é de se admirar que algumas
mulheres sejam inconscientemente passivas agressivas ao expressarem raiva,
tristeza ou frustração. Por anos, têm se sujeitado a tanto abuso que nem
conseguem mais se expressar de um modo que seja autêntico para elas.
Elas dizem "sinto muito"
antes de darem sua opinião. Em um email ou mensagem de texto, colocam uma
carinha feliz ao lado de uma questão ou preocupação séria, de modo a reduzir o
impacto de expressarem seus verdadeiros sentimentos.
Você sabe como é: "Você está
atrasado :) "
Essas são as mesmas mulheres que
seguem em relacionamentos dos quais deveriam sair, que não seguem seus sonhos,
que desistem da vida que gostariam de viver.
* * *
Desde que embarquei nessa
auto-exploração feminista na minha vida e nas vidas das mulheres que conheço,
esse conceito das mulheres como "loucas" tem de fato emergido como
uma séria questão na sociedade e igualmente uma grande frustração para as
mulheres em minha vida, de modo geral.
Desde o modo com que as mulheres são
retratadas em reality shows a como nós condicionamos meninos e meninas a verem
as mulheres, acabamos aceitando a ideia de que as mulheres são desequilibradas,
indivíduos irracionais, especialmente em momentos de raiva e frustração.
Outro dia mesmo, em um vôo de São
Francisco para Los Angeles, uma aeromoça que acabou me reconhecendo de outras
viagens perguntou qual era minha profissão. Quando disse a ela que escrevo
principalmente sobre mulheres, ela logo riu e perguntou, "Oh, sobre como
somos malucas?".
Sua reação instintiva ao meu trabalho
me deixou um bocado deprimido. Apesar de ter respondido como uma brincadeira, a
pergunta dela não deixa de apontar um padrão sexista que atravessa todas as
facetas da sociedade, sobre como homens veem as mulheres, o que impacta
enormente como as mulheres enxergam a si mesmas.
Até onde sei, a epidemia de
gaslaitear é parte da luta contra os obstáculos da desigualdade que as mulheres
enfrentam. Gaslaitear rouba sua ferramenta mais forte: sua voz. Isso é algo que
fazemos com elas todos dias, de diferentes modos.
Não acho que essa ideia de que as
mulheres são "loucas" está baseada em algum tipo de conspiração
massiva. Na verdade, acredito que está conectada à lenta e firme batida das
mulheres sendo minadas e postas de lado, diariamente. E gaslaitear é uma das
muitas razões pelas quais estamos lidando com essa construção pública das
mulheres como "loucas".
Reconheço ter gaslaiteado minhas
amigas no passado (mas nunca os amigos – surpresa, surpresa). É vergonhoso, mas
fico feliz em ter me dado conta disso e cessado de agir dessa maneira.
Mesmo tomando responsabilidade por
meus atos, acredito sim que, junto com outros homens, sou um produto de nosso
condicionamento. E que ele nos dificulta admitir culpa e expor qualquer tipo de
emoção.
Quando somos desencorajados de
expressar nossas emoções em nossa infância e adolescência, isso faz com que
muitos de nós sigam firmes em sua recusa de expressar arrependimento quando
vemos alguém sofrendo por conta de nossas ações.
Quando estava escrevendo esse artigo,
me lembrei de uma de minhas falas favoritas de Gloria Steinem:
"O primeiro problema para todos
nós, homens e mulheres, não é aprender; mas sim desaprender."
Então, para muitos de nós, o assunto
é primeiro desaprender como usar essas lâmpadas de gás (referência à origem do
termo gaslighting/gaslaitear) e entender os sentimentos, opiniões e posições
das mulheres em nossas vidas.
Pois a questão de gaslaitear não
seria, em última instância, sobre nosso condicionamento em acreditar que as
opiniões das mulheres não têm tanto peso quanto as nossas? Que o que elas têm a
dizer e o que sentem não é tão legítimo quanto o que nós dizemos e sentimos?
* * *
Nota do editor: Yashar vai
publicar em breve seu primeiro e-book, chamado "A message to women from a
man: you are not crazy". Se estiver interessado e quiser ser notificado da
publicação, insira seus dados aqui.
Esse post foi originalmente publicado
no blog do Yashar, The Current Conscience.
Nós lemos pela primeira vez no The Good Men Project.
Tradução feita com permissão do autor.
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